A Prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) anunciou, no início de fevereiro, que não iria mais criar o autódromo na área ocupada pela Floresta do Camboatá, em Deodoro, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, solicitando inclusive ao Instituto Estadual do Meio Ambiente o arquivamento do processo de licenciamento ambiental do referido autódromo. De acordo com a prefeitura, a Floresta do Camboatá é um patrimônio ambiental do Rio a ser preservado.
Além de dar fim à ideia da construção do autódromo no local, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente reabriu o processo, iniciado em 2013, para criar uma unidade de conservação na área, que possui cerca de 200 mil árvores de 146 espécies, das quais 14 são consideradas ameaçadas.
Há anos, o CRBio-02 vem lutando contra a possibilidade de criação desse autódromo e a consequente destruição da floresta, divulgando entre Biólogos e Biólogas opiniões abalizadas, emitidas por meio de entrevistas em seus canais de comunicação.
No parecer sobre a Floresta do Camboatá, pesquisadores do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) já tinham indicado que a melhor alternativa de uso da floresta seria a criação de uma unidade de conservação.
Para eles, além da singularidade da flora e da fauna, há o tipo de vegetação encontrado, que praticamente já desapareceu da cidade. Tal fragmento florestal está numa localização estratégica e de alta relevância para a manutenção da conexão entre remanescentes florestais dos maciços da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó-Mendanha.
Aos atributos acima, devem ser acrescidos os serviços ambientais, tais como fixação de carbono e manutenção de seus estoques, purificação do ar, conforto térmico, manutenção de banco genético, áreas para a recreação, lazer e educação, que são exemplos de serviços prestados pelas áreas naturais.
Com base em tais argumentos, em 2016, o Conselho Municipal de Meio Ambiente deu parecer favorável para a criação do Parque Natural Municipal do Camboatá.
Atualmente está em curso a criação de um Grupo Técnico para estudar e propor o tipo de unidade de conservação mais adequado para a região, seguindo os ritos previstos na Lei Federal Nº 9985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Um modelo ideal deveria abranger, além da proteção da área, o desenvolvimento de atividades para impulsionar a economia verde nesta zona da cidade, juntamente com pesquisa científica e educação ambiental.
Fim ao autódromo
Os Biólogos Haroldo Cavalcante de Lima (CRBio-02 2650/02-D) e Jorge Antônio Lourenço Pontes (CRBio-02 21932/02-D), que participaram diretamente da campanha SOS Camboatá, buscando sensibilizar a população e a comunidade científica a favor da permanência da floresta, em entrevista, saem em defesa desta joia ambiental.
Para ambos, a Floresta do Camboatá é um fragmento de grande importância, que além de guardar uma biodiversidade significativa e ser a última floresta remanescente de terras baixas na cidade, favorece a ocorrência de fluxo gênico entre as populações de plantas e disponibiliza local de pousio para avifauna. Tem ainda alto potencial para restaurar as florestas degradadas do município, principalmente para coleta de sementes e produção de mudas de espécies características deste tipo de floresta.
Sabe-se também que os bairros do entorno são desprovidos de áreas verdes e a supressão da Camboatá certamente promoveria a elevação na temperatura local e o aumento das inundações. Portanto, é evidente que uma área tão sensível deva ser prioridade máxima na política ambiental e urbanística do município, associando a sua conservação com usos que ofereçam oportunidades de negócios sustentáveis e melhoria na qualidade de vida de bairros com baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A comunidade científica ficou aliviada e comemorou quando a prefeitura recuou na proposta de construção do autódromo no local. Finalmente, o esforço de diversos pesquisadores e professores de diferentes órgãos e instituições públicas foi recompensado. “Travamos uma intensa luta técnica e jurídica, com a parceria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMA). A conquista representa um marco importante no fortalecimento da mobilização da sociedade carioca pela conservação das áreas de florestas urbanas. Esses espaços verdes estão sofrendo enorme pressão por parte dos empreendimentos imobiliários. A decisão de não permitir a construção do autódromo na Floresta do Camboatá mostrou que é possível questionar e impedir os licenciamentos de obras de elevado impacto em áreas de grande relevância socioambiental. É um alento para os movimentos coletivos, revigorando suas lutas e incentivando a busca de dados técnicos junto à comunidade científica para fazer valer seus direitos por uma cidade mais sustentável”, comemoram os Biólogos.
Haroldo Lima conta como começou a história que gerou vários estudos do Jardim Botânico na Floresta do Camboatá: “Foi em meados da década de 1980, quando o Exército nos pediu para fazer um levantamento da flora existente no local. A solicitação era para identificar todas as árvores. Quando chegamos lá, concluímos que, como aquele tipo de floresta, não havia mais nada parecido no Município do Rio de Janeiro, uma vez que praticamente todas tinham sido suprimidas pela expansão da cidade. Em 2012, ouvimos as primeiras notícias sobre a intenção de construir um autódromo na área da floresta, quando o Ministério Público Estadual solicitou à Diretoria de Pesquisas do Jardim Botânico um parecer de avaliação sobre a vegetação e flora deste importante remanescente de Mata Atlântica”, diz.
Para os dois pesquisadores, é provável que interesses econômicos influenciaram na escolha do local para a construção do autódromo. Todo o processo de licenciamento foi realizado de forma atropelada, amparado pela divulgação na mídia de que o empreendimento obedecia a legislação ambiental. Entretanto, de acordo com os Biólogos, uma simples análise do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) demonstrou claramente como foram subestimados os impactos e os custos da mitigação.
“Os critérios usados para comparar as diferentes áreas alternativas para a construção do autódromo foram tendenciosos com a intenção de manipular a avaliação dos impactos ambientais, sociais e econômicos – afirmam enfaticamente os dois Biólogos – uma vez que há outros locais próximos bem mais adequados para o empreendimento, tais como os campos do Gericinó, o aterrado do Leme e o terreno da Ambev, que possuem cobertura vegetal antropizada e são praticamente desprovidos de vegetação arbórea”, complementam.
Movimento SOS Floresta do Camboatá
Jorge Pontes conta que a campanha de cunho social Movimento SOS Floresta do Camboatá, que agregou diversos técnicos e especialistas de diferentes áreas de pesquisas em Mata Atlântica, teve papel primordial na luta e na vitória, pois além de mobilizar a população carioca, reverberou pelo país e sensibilizou inclusive os pilotos da Fórmula-1.
O movimento se consolidou a partir de 2017, quando o projeto de construção do autódromo foi ressuscitado. Neste momento, várias ações em defesa da floresta convergiram para fortalecer o Movimento SOS Floresta do Camboatá e reunir inicialmente os moradores dos bairros periféricos de Deodoro e Guadalupe, ambientalistas e profissionais de várias instituições de pesquisas e universidades. A luta pouco a pouco foi ganhando espaço na mídia e sensibilizando a população carioca para a necessidade de preservar a área.
Jorge Pontes lembra que uma espécie de peixe-de-nuvem criticamente ameaçado de extinção, o Leptopanchax opalescens, foi um dos pivôs da luta. Após a apresentação do EIA-RIMA do autódromo, inconsistente e tendencioso, profissionais de diversas instituições de ensino e pesquisa aderiram à luta com pareceres técnicos e refutando as falhas do estudo apresentado pela empresa responsável pelo empreendimento.
“A luta judicial ganhou força com outras ações do Ministério Público Estadual e a eficiente articulação do Movimento SOS Floresta do Camboatá com a bancada de vereadores e deputados que aderiram à causa. O confronto foi deflagrado conquistando muito espaço na mídia e que culminou em intenso debate na audiência pública. Durante dez horas, cerca de 200 pessoas participaram remotamente e apenas duas foram favoráveis à construção do autódromo na área da floresta. Finalmente, após uma análise bem fundamentada dos técnicos do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), a Comissão de Meio Ambiente não aprovou o licenciamento do empreendimento. E como dito, em 2021, o projeto foi oficialmente abandonado pela Prefeitura do Rio de Janeiro” conta Jorge Pontes.
Para os Biólogos, a campanha foi feita em um modelo de atuação coletiva que certamente será replicado em outras lutas pela preservação das áreas verdes urbanas. “A legislação ambiental é muito boa, mas a população tem que se mobilizar e reivindicar seus direitos. A parceria entre o Ministério Público, Instituições de Pesquisa e Universidades e Movimentos Sociais tem se mostrado uma ótima estratégia para unir forças. Neste caso, a comunidade de Biólogos deu um ótimo exemplo de ciência cidadã em prol da qualidade de vida em locais menos privilegiados”, conclui o Biólogo Jorge Pontes.
Haroldo Cavalcante de Lima
Biólogo, pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGE / UFRJ, desenvolve e coordena projetos de pesquisa em sistemática, filogenia e biogeografia de Leguminosas neotropicais e florística e conservação em Mata Atlântica.
Jorge Antônio Lourenço Pontes
Biólogo, doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – PPGEE / UERJ. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino, Ambiente e Sociedade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – PPGEAS / FFP / UERJ, realizando pesquisas sobre a fauna do bioma Mata Atlântica, em diferentes ecossistemas, no Estado do Rio de Janeiro.
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Reportagem do CRBio-02, que atende aos estados de RJ e ES.