Os Conselhos Federal e Regionais de Biologia (Sistema CFBio/CRBios) enviaram ofício a todos os senadores, nesta sexta-feira (21/05), manifestando sua preocupação com a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei n° 3729/2004, que flexibiliza e enfraquece as normas de licenciamento ambiental no Brasil.
O manifesto foi encaminhado também para o relator do projeto na Câmara, deputado Neri Geller (PP/MT), e para o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Conclamamos Biólogos e Biólogas a aderirem ao manifesto, compartilhando em suas redes sociais posicionamento contrário ao projeto e marcando os senadores do seu Estado.
Leia o manifesto do Sistema CFBio/CRBios, na íntegra, a seguir:
Manifesto contra o PL 3729/ 2004
(que dispõe sobre o licenciamento ambiental)
Os Conselhos Federal e Regionais de Biologia (Sistema CFBio/CRBios) vêm, pelo presente, manifestar sua consternação com a aprovação, na Câmara dos Deputados, por 300 votos a 122, do Projeto de Lei n° 3729/2004, o qual flexibiliza e enfraquece as normas de licenciamento ambiental no Brasil.
A matéria, que figurou entre as prioridades do Poder Executivo para este ano, conforme agenda entregue pelo Presidente da República em fevereiro último, foi relatada pelo vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e ex-ministro da Agricultura, Deputado Neri Geller (PP/MT) e seguirá, agora, para análise do Senado Federal.
Entre outras disposições, o projeto permite que sejam dispensados do licenciamento ambiental os empreendimentos de saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica, obras consideradas de “porte insignificante” pelo órgão licenciador e atividades agropecuárias, estas incluídas pelo relator – as quais se utilizam de compostos químicos com alto potencial contaminante. A matéria também traz a figura da “licença única”, que permite a junção de licenças prévias, como a de instalação, e será feita por meio de autodeclaração do empreendedor, podendo o procedimento ser realizado pela Internet; retira o poder de veto das comunidades indígenas e quilombolas das análises de impacto e da adoção de medidas de prevenção de danos quando as mesmas ainda não tiverem suas terras demarcadas ou tituladas; além de excluir a análise de impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação.
No dia 22 de maio, celebramos o Dia Mundial da Biodiversidade, e o Brasil, enquanto detentor da maior diversidade do planeta, abriga, hoje, cerca de 116 mil espécies animais, representando 9% da fauna mundial, e a maior diversidade de flora do mundo, com 46 mil espécies de plantas catalogadas – quase 3 mil delas em extinção – cujos maiores exemplos de diversidade encontram-se na Amazônia e Mata Atlântica. A despeito dessa vastidão de vida distribuída nos seus cinco biomas, temos visto, tristemente, um aumento gradativo dos índices de desmatamento e da consequente emissão de gases de efeito estufa, registrado desde 2015, segundo apontamento do Observatório do Clima. Tal aumento se manteve mesmo com a desaceleração da atividade econômica causada pela pandemia da Covid-19 e a diminuição dessas emissões no mundo.
Como se sabe, a cobertura vegetal brasileira – com destaque para a floresta Amazônica, a qual representa um terço das florestas tropicais no mundo – apesar das grandes perdas experimentadas nos últimos anos, é responsável por grande parte da captura de CO2 na atmosfera, gás que contribui para o agravamento do já mencionado efeito estufa. A diminuição dessa cobertura, provocada especialmente pelo avanço das atividades agropecuárias sobre as florestas, tem desencadeado o progressivo aumento da temperatura global, que traz consigo consequências sociais, econômicas e políticas, como o aumento da insegurança alimentar e de ondas migratórias, a escassez de água em determinadas regiões, agravamento e/ou surgimento de conflitos frente à escassez de terras e recursos, o surgimento de doenças, e maior frequência de inundações e outros desastres ambientais. E sabe-se, ademais, que o equilíbrio climático mantido pelas florestas é fundamental para diversas atividades econômicas, inclusive a agricultura.
Faz-se mister destacar também a grave influência do desmatamento de florestas na geração de sucessivas epidemias e pandemias. Segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial, a devastação do meio ambiente esteve ligada a nada menos que 31% dos surtos epidêmicos e pandêmicos no mundo, entre os anos 1980 e 2013. Da mesma forma, o estudo calcula que 65% das epidemias surgidas nas últimas quatro décadas sejam resultantes de zoonoses, que são doenças transmitidas de animais para pessoas. Assinale-se, de certo, que degradação do meio ambiente é também questão de saúde pública e que há, portanto, uma relação direta entre desmatamento e adoecimento em massa da população. O atual surto pandêmico de Covid-19 que, só no Brasil, já matou mais de 435 mil pessoas – e cuja causa abre suspeitas para um vírus que tenha surgido do contato indiscriminado com fauna silvestre impactada pelo desgaste do ecossistema e pelo avanço do desmatamento – não parece, infelizmente, ter sensibilizado os agentes políticos ao decidirem pela aprovação dessa matéria.
Reconhecemos a necessidade crescente por ações que minimizem a burocracia e estimulem o progresso econômico no País. Destaque-se, em tempo, que boa parte da morosidade na análise de processos ambientais decorre do déficit de infraestrutura e equipe na grande maioria dos órgãos ambientais (em níveis estaduais e federal). Ainda assim, o projeto, tal como aprovado na Câmara dos Deputados, caminha, certamente, na contramão do urgente paradigma consolidado destes últimos dois séculos de se adotar medidas que sintonizem desenvolvimento e sustentabilidade. O Brasil, a propósito, foi palco de relevantes eventos que estabeleceram a pauta do desenvolvimento sustentável em nível mundial, quando sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Em decorrência, seu papel como âncora dessas importantes agendas ainda hoje é fortemente necessário na esfera mundial. E sabemos, ademais, que esta conjugação, desenvolvimento e sustentabilidade é, sim, possível, e que o País tem grande potencial para desenvolver medidas que atendam a esse irrefutável paradigma.
Contudo, ao contrário do que se espera, a dispensa do licenciamento ambiental das atividades econômicas contempladas no referido projeto de lei representa a desconsideração das técnicas, estudos e medições utilizados para se estabelecer a melhor viabilidade aos empreendimentos, levando em conta as melhores tecnologias disponíveis e a segurança para o meio ambiente e para as diversas populações atingidas. Prejudicam-se, afinal, os próprios empreendimentos, diante da ausência dessa completude de estudos, que ficam sujeitos a insegurança jurídica, sem contar os riscos a que estão sujeitos populações e ecossistemas.
Diante de tudo isso, resta inevitável questionar: como tal proposta pôde ser aprovada com tamanha vantagem de votos na Câmara dos Deputados? O que será da biodiversidade, do equilíbrio ecológico, da saúde da população brasileira e mundial e das próximas gerações caso o Senado valide o texto aprovado na semana passada?
Com estas preocupadas indagações, instamos à reflexão e mudança de curso por quem pode reverter esta ameaça e votar NÃO ao atual texto do PL 3729/2004: o Senado Federal!
Brasília, 21 de maio de 2021.