Mesmo bastante conhecida há milênios no mundo inteiro, onde encontramos relatos de casos inclusive na Bíblia, a ocorrência da hanseníase na Índia, Brasil e Indonésia contribuiu com 81% de todos os novos casos em 2013, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos países desenvolvidos já foi controlada com sucesso, e atualmente não é considerada como um problema de saúde pública.

 

No Brasil, a hanseníase ou lepra, como era mais conhecida, é umadoença infecto-contagiosa considerada como problema de saúde pública porque, embora não cause morte, evolui para a incapacidade física, levando à estigmatização do paciente. A hanseníase é transmitida por meio do contato com pacientes que não estão em tratamento e ocorre principalmente na população de renda e nível educacional baixos.

Em 2011, 200 mil casos novos de hanseníase foram relatados por 105 países e, em 2012, 232.857 novos casos em 115 países. Os números nacionais ainda permanecem altos, na faixa de 40 mil novos casos por ano, embora com leve declínio em relação aos dados anteriores, sendo a população da Região Amazônica juntamente com as do Nordeste e do Centro-Oeste as mais atingidas.

Mas esses números podem ser maiores. “Em um recente projeto de pesquisa do nosso grupo, finalizado em dezembro de 2012, verificamos que a prevalência oculta no estado do Pará parece ser bastante significativa, e os dados de incapacidade física registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) foram significativamente menores do que encontramos durante o nosso estudo ao reavaliar os casos diagnosticados e tratados nos últimos cinco anos, indicando diferenças importantes entre o que está registrado no sistema e o que realmente é encontrado na população”, afirma Claudio Guedes Salgado, pesquisador e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará (UFPA), que coordena o Projeto Marcadores biológicos de infecção e progressão da hanseníase: sorologia e resposta linfocitária celular em pacientes de uma região hiperendêmica da Amazônia Brasileira, financiado pelo CNPq por meio do Programa Universal.

 

O grupo coordenado por Claudio Guedes Salgadotem trabalhado para identificar a real incidência da hanseníase em diferentes municípios do Pará, utilizando a estratégia de visita domiciliar para exame dos comunicantes e exame de escolares da rede pública de ensino, onde tem encontrado cerca de 3 a 4% dos estudantes com hanseníase previamente não diagnosticada. Os resultados desta estratégia de exames de escolares serviu, inclusive, como uma das referências utilizadas pelo Ministério da Saúde para propor e executar um programa ambicioso de exame de escolares na rede pública de ensino, atingindo mais de 9 milhões de crianças a cada ano, desde 2013, com o diagnóstico de um número significativo de novos casos de hanseníase em crianças.

O exame clínico e o exame bacteriológico (baciloscopia) continuam sendo os métodos de diagnóstico e acompanhamento dos pacientes. “Todos os 530 casos, 2.160 comunicantes e 1.592 escolares visitados foram mapeados e tiveram plasma coletado para detecção e titulação da imunoglubulina M (IgM) anti-PGL-I, um anticorpo produzido quando entramos em contato com o bacilo da hanseníase. Quanto mais alto é o resultado da titulação deste anticorpo, maior é a possibilidade de aquela pessoa, ou alguém próximo a ela, estar doente. Enquanto nos países em que a hanseníase já não é mais um problema de saúde pública o percentual de crianças com resultados positivos é muito baixo, próximo de zero, na Amazônia os resultados encontrados pelo nosso grupo de pesquisa indicam que em escolares da rede pública de ensino a positividade pode chegar a 50%. A disponibilidade de novos marcadores biológicos que possam auxiliar os clínicos e outros profissionais de saúde a identificar e classificar com mais propriedade os pacientes diagnosticados, bem como monitorar a evolução do tratamento e detectar possíveis casos de falha terapêutica ou recidiva são extremamente necessários”, afirma o pesquisador.

O que é

A hanseníase é uma infecção crônica causada pelo Mycobacterium leprae, que atinge a pele e nervos periféricos, levando o paciente a apresentar lesões variando de manchas a nódulos infiltrativos, com alteração de sensibilidade, que evolui na sua história natural para deformidades e incapacidade física, que é responsável por todo o estigma associado a esta doença, levando os pacientes ao isolamento socioeconômico.

No Brasil, o diagnóstico, a busca ativa, a avaliação de contatos, o tratamento e a prevenção de incapacidades dos pacientes de hanseníase é responsabilidade do sistema público nas unidades básicas de saúde por meio das equipes da estratégia de saúde da família.

No Pará, as taxas de detecção variam de 1,9 a 18,6/10.000 habitantes, segundo  o SINAN, sendo que alguns municípios apresentam taxas altíssimas, como Altamira (10,8), Paragominas (13,0), Parauapebas (14,2) e Redenção (18,6). Durante os anos de 1991 a 2010, 88.805 novos casos de hanseníase foram diagnosticados somente neste estado. De acordo com o pesquisador paraense, muitos fatores contribuem para a manutenção desses números, como a baixa taxa de exame dos comunicantes, em torno de 40%, considerado como precário pelo Ministério da Saúde, e a falta de acesso da população ao próprio sistema de saúde, com aproximadamente 60% sem cobertura pela estratégia de saúde da família.

“Embora seja consenso que a transmissão da hanseníase ocorra por meio do contato de pessoas suscetíveis com pacientes com muitos bacilos, pouco se sabe sobre a sua real distribuição e que fatores são importantes na transmissão da hanseníase na comunidade. Sabe-se que as taxas de infecção do Mycobacterium leprae são provavelmente muito maiores que as tendências identificadas pela notificação de novos casos, indicando que a hanseníase ainda permanecerá como um problema de saúde pública durante muitos anos ou décadas à frente”, explica o coordenador da pesquisa.

Entre as ações governamentais para controlar a hanseníase no país, o Ministério da Saúde mantém o Programa Nacional de Controle da Hanseníase, com ações estratégicas de controle da doença, tendo como meta alcançar e manter 90% de cura nos casos novos, aumentar a cobertura de exame de contatos intradomiciliares para 80% dos casos novos e reduzir o coeficiente de detecção de casos novos, entre outros.

 

Ciência sem Fronteiras

Josafá Gonçalves Barreto, aluno do professor Claudio Guedes Salgado e atualmente professor do campus Castanhal da UFPAfez doutorado sanduíche pelo Ciência sem Fronteiras na Emory University, nos Estados Unidos, sob supervisão de Uriel Kitron,  e sua tese gerou três diferentes artigos sobre hanseníase publicados em revistas internacionais de boa qualidade, como a PLoS Neglected Tropical Diseases, além de um prêmio no último Congresso Mundial de Hanseníase, em 2013, na Bélgica. Outro ex-aluno, agora professor – do ICB/UFPA, Moises Batista da Silva, está fazendo pós-doc na Colorado State University, sob supervisão de John Spencer, também membro do grupo de pesquisas (http://csu-cvmbs.colostate.edu/Pages/faculty-profile-john-spencer.aspx), que esteve no Brasil, na FIOCRUZ pelo Ciência sem Fronteiras, e que agora em 2015 retornará a UFPA com uma bolsa Fulbright.

Além disso, pesquisadores de outras instituições brasileiras também participam do projeto, como Marco Andrey Frade, da Faculdade de Medicina da USP-Ribeirão Preto, Patrícia Samarco, do Instituto Lauro de Souza Lima, em Bauru (SP) e Guilherme Conde, com seu grupo de informática na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Após a publicação de um artigo no The New England Journal of Medicine, uma das revistas de maior impacto mundial na área médica, os autores, Claudio Salgado e Josafá Barreto foram convidados a publicar as fotos no livro americano Fitzpatrick’s Color Atlas & Synopsis of Clinical Dermatology, considerado um dos mais importantes em termos de dermatologia.

 

Fonte: CNPQ