O admirável mundo novo dos órgãos feitos em impressoras 3D agora inclui estruturas ovarianas implantadas que, fiéis ao seu projeto, realmente ovulam, segundo estudo da Escola Feinberg de Medicina e da Escola McCormick de Engenharia da Universidade Northwestern.
Após ter seu ovário removido e substituído pelo ovário bioprotético, o camundongo não apenas foi capaz de ovular, mas também de dar à luz filhotes saudáveis. As mães conseguiram até mesmo amamentar sua prole.
Os ovários bioprotéticos são feitos de suportes impressos em 3D os quais abrigam os óvulos imaturos, e têm obtido sucesso em impulsionar a produção de hormônios e recuperar a fertilidade em camundongos, o que era o principal objetivo da pesquisa.
“Essa pesquisa mostra que esses ovários bioprotéticos possuem funções de longo prazo e duráveis”, disse Teresa K. Woodruff, cientista reprodutiva e diretora do Instituto de Pesquisa da Saúde da Mulher em Feinberg. “Utilizar a bioengenharia, em vez de transplantes de um cadáver, para criar estruturas de órgãos as quais funcionem e recuperem a saúde daquele tecido naquela pessoa – esse é o santo graal da bioengenharia para a medicina regenerativa.”
O artigo foi publicado dia 16 de maio na revista Nature Communications.
Como ela difere de outras estrutura impressas em 3D?
O que distingue essa pesquisa daquela feita em outros laboratórios é a arquitetura dos suportes e o material, ou “tinta”, que os cientistas estão usando, disse Ramille Shah, professora de ciência dos materiais e engenharia em McCormick e de cirurgia em Feinberg.
O material é gelatina, um hidrogel biológico feito a partir de colágeno partido, seguro para ser utilizado em humanos. Os cientistas sabiam que qualquer suporte que criassem precisaria ser feito de materiais orgânicos suficientemente rígidos para ser manuseados durante a cirurgia, e porosos o suficiente para interagir naturalmente com os tecidos corporais do camundongo.
“A maioria dos hidrogéis são bastante fracos, já que são feitos principalmente de água, e frequentemente cairão sobre si mesmos”, disse Shah. “Contudo, encontramos uma temperatura para a gelatina que permite que ela se auto-sustente, sem cair, e possibilita a construção de múltiplas camadas. Ninguém mais conseguiu imprimir gelatina com uma geometria tão bem definida e tão capaz de auto-sustentação.”
Essa geometria se liga diretamente ao fato de se os folículos ovarianos, células organizadas de apoio à produção de hormônios ao redor de um óvulo imaturo, sobreviverão ou não no ovário, o que foi uma das maiores descobertas do estudo.
“Este é o primeiro estudo que demonstra que a arquitetura do suporte faz a diferença na sobrevivência do folículo”, segundo Shah. “Não seríamos capazes de fazer isso se não utilizássemos uma plataforma de impressoras 3D.”
Como isso impacta pessoas?
O único objetivo dos cientistas ao desenvolver os ovários bioprotéticos era ajudar a restaurar a fertilidade e a produção de hormônios nas mulheres que passaram por tratamentos de câncer quando adultas ou aquelas as quais sobreviveram ao câncer infantil e agora têm riscos maiores de infertilidade e problemas de desenvolvimento associados a hormônios.
“O que acontece com algumas de nossas pacientes com câncer é que seus ovários não funcionam em nível alto o bastante e elas utilizam terapias de reposição hormonal para desencadear a puberdade”, disse Monia Laronda, uma das principais autoras da pesquisa e antiga pós-doutoranda do laboratório Woodruff. “O propósito desse suporte é recapitular o funcionamento de um ovário. Estamos pensando nas coisas mais importante, em cada estágio de vida da garota, da puberdade à vida adulta e a uma menopausa natural.”
Laronda agora é professora do Instituto Stanley Manne de Pesquisa para Crianças no Hospital Infantil Ann & Robert H. Lurie.
Além disso, a bem-sucedida criação dos implantes impressos em 3D para substituir tecidos macios e complexos poderia impactar significantemente trabalhos futuros na medicina regenerativas de tecidos macios.
Tecnicamente, como funciona a impressão biológica em 3D?
A impressão em 3D de uma estrutura ovariana é semelhante a uma criança brincando com peças de encaixar, disse Alexandra Rutz, uma das principais autoras do estudo e ex-pós-graduanda de engenharia biomédica no Laboratório de Engenharia de Tecidos e Fabricação de Aditivos (TEAM, na sigla em inglês) da Shah no Instituto Simpson Querrey. Em certos brinquedos, as crianças podem colocar peças em ângulos retos para formar estruturas. Dependendo da distância entre as peças, a estrutura muda para construir uma janela ou uma porta.
“A impressão em 3D é feita depositando filamentos”, disse Rutz, que agora é uma estudantes internacional de pós-doutorado na Escola das Minas de Saint-Étienne em Gardanne, na França. “Você pode controlar a distância entre esses filamentos, bem como o ângulo de avanço entre camadas, e isso nos daria diferentes tamanhos e geometrias de poros”.
No laboratório do Northwestern, os pesquisadores chamam essas estruturas impressas em 3D de “suportes” e os comparam aos andaimes que temporariamente cercam um prédio enquanto estão passando por reparos.
“Cada órgão tem um esqueleto”, disse Woodruff, que também é professora de obstetrícia e ginecologia do Memorial Thomas J. Watkins Memorial e membro do Centro Global de Câncer Robert H. Lurie da Universidade Northwestern. “Aprendemos como era o esqueleto do ovário e o usamos como modelo para o implante do ovário bioprotético.”
Em um edifício, o andaime suporta os materiais necessários para o reparo, até que eventualmente seja removido. O que resta é uma estrutura capaz de se manter em pé sozinha. Da mesma forma, o “suporte” ou “esqueleto” impresso em 3D é implantado em uma fêmea e seus poros podem ser usados para otimizar como os folículos, ou óvulos imaturos, se fixam dentro do suporte. Ele dá apoio à sobrevivência dos óvulos imaturos do camundongo e da células que produzem hormônios para impulsionar a produção. A estrutura aberta também dá espaço para os óvulos amadurecerem e ovularem, bem como para formar vasos sanguíneos dentro do implante, permitindo que os hormônios circulem pela corrente sanguínea do animal e desencadeiem a lactação após o parto.
A colaboração inteiramente feminina entre McCormick e Feinberg nessa pesquisa foi “bastante frutífera”, disse Shah, acrescentando que foi muito motivador fazer parte de uma equipe formada apenas por mulheres pesquisando para encontrar soluções para problemas de saúde femininos.
“O que realmente faz um trabalho colaborativo são as personalidades e conseguir encontrar o humor na pesquisa”, explica Shah. “Teresa e eu brincávamos dizendo que éramos avós dos filhotes.”
Fonte: Scientific American