Charles Darwin uma vez escreveu em seu livro “A expressão das emoções no homem e nos animais” que insetos “expressam raiva, terror, ciúmes e amor”. Isso foi em 1872. Agora, quase 150 anos depois, pesquisadores descobriram mais evidências de que Darwin talvez pudesse estar na pista certa. Abelhas parecem ter um “estado emocional positivo”, de acordo com um estudo publicado na revista científica Science. Em outras palavras, elas talvez experimentem algo semelhante à felicidade. Para alguns, no entanto, essa ideia ainda é controversa.
Diferentemente do que se faz com humanos, não se pode pedir a uma abelha para que avalie e descreva suas emoções. Em vez disso, pesquisadores precisam procurar por evidências de que insetos possuam, de fato, os elementos essenciais cognitivos, comportamentais e psicológicos que, quando combinados, criam um fenômeno complexo como a emoção.
O biólogo Clint Perry, da Queen Mary Universidade de Londres, idealizou um experimento para fazer justamente isso. Ele e seus colegas treinaram abelhas para que distinguissem uma flor azul colocada do lado esquerdo de um container de outra verde, posta no lado direito. Quando as abelhas exploraram a flor azul, encontraram uma solução com 30% de açúcar. Mas quando exploraram a verde, encontraram apenas água. Eventualmente, as abelhas aprenderam a associar a flor azul com uma recompensa doce.
Os pesquisadores então testaram as abelhas usando flores com cores ambíguas e locais intermediários. Metade dos insetos recebeu uma solução com 60% de açúcar antes do teste. Essa parcela voou mais rápido em direção a flor ambígua verde e azul. O restante das abelhas, que não recebeu a solução, voou mais devagar.
A suposição de que um estímulo ambíguo contém uma recompensa, apesar da falta de evidência, se chama viés otimista. O experimento de Perry sugere que um pouco de açúcar fez as abelhas entrarem num estado emocional positivo, fazendo com que se sentissem mais otimistas quanto às possibilidades de que a flor contivesse a recompensa.
Soa familiar? Pois algo parecido é verdade para os humanos — bebês recém nascidos choram menos se um lanche doce for oferecido, e um pouco de doce aumenta os sentimentos de positividade e melhor o mau humor em adultos, também. “Muitos de nós vemos o mundo de maneira melhor quando comemos um bom pedaço de chocolate meio amargo,” diz Perry.
Para ter certeza de que o comportamento de voo das abelhas resultou de seu estado emocional, e não simplesmente da alta do açúcar, os pesquisadores testaram os animais com outras flores desconhecidas e pintadas com cores novas. O efeito, afirma Perry, foi específico para as flores com cores entre azul e verde para as quais foram treinadas, e não para qualquer outra cor.
Em outro teste, envolvendo a simulação de um ataque de predador, as abelhas alimentadas com a solução açucarada mostraram o mesmo viés otimista. Na natureza, abelhas são frequentemente atacados por aranhas caranguejeiras que ficam à espreita. Para imitar esse ataque, os pesquisadores agarraram gentilmente as abelhas com uma esponja por três segundos, e depois então as soltaram. Os insetos que receberam a água açucarada voltaram a buscar por alimento mais rapidamente do que aquelas que não receberam a solução, sugerindo que suas emoções positivas as tornaram menos cuidadosos e mais otimistas em relação a isso também.
Em um experimento final, quando os pesquisadores deram às abelhas uma droga que interrompiam os receptores de dopamina, um neurotransmissor ligado à motivação e recompensa, o viés desapareceu, um efeito semelhante a maneira como funciona a química cerebral em mamíferos. “Muitos cientistas, mesmo entomólogos, ainda acreditam que insetos são máquinas comportamentais geneticamente pré-programadas, rígidas,” afirma Perry. A entomóloga da Universidade do Arizona Katy Prudic que não está envolvida no estudo, também discorda dessa ideia. “Por terem uma construção tão diferente, nós tendemos a menosprezar seus estados emocionais,” ela diz — “provavelmente porque não os vemos da mesma maneira que os vemos em um cachorro, gato ou vaca.”
Não existe uma razão intrínseca para que insetos não possam experienciar emoções. Sentimentos, por outro lado, são uma outra questão. Ainda que usemos os dois termos como sinônimos na linguagem comum, cientistas os usam de maneira diferente. “Emoções são uma coleção de ações, e inúmeras espécies as exibem,” diz o neurocientista e filósofo Antonio Damasio, da Universidade da Carolina do Sul, “mas não podemos ter certeza de eles as sintam.” Em outras palavras, emoções são as respostas adaptativas do corpo a estímulos externos. Sentimentos são a experiência subjetiva delas.
Assim, quando recebemos uma notícia ruim, nossa pressão sanguínea talvez suba e sua taxa respiratória talvez caia. Se você visse um leão da montanha enquanto realizasse uma escalada, seus batimentos cardíacos e taxa respiratória aumentariam, seu cérebro seria inundado de cortisol e adrenalina e suas pupilas dilatariam. Essas são as respostas emocionais do seu corpo. E elas podem ou não vir acompanhadas de sentimentos subjetivos como tristeza ou medo, respectivamente.
O mesmo vale para os abelhas, ainda que Perry não tenha demonstrado que abelhas possuam sentimentos. “Nós não mostramos que elas se sentem felizes,” ele diz. A evidência mostrou que abelhas possuem mecanismos cognitivos, psicológicos e comportamentais que baseiam as emoções.
“Sentimentos implicam a presença de uma experiência mental, [ou] consciência,” explica Damasio. “Eu tenho todas as razões para acreditar que invertebrados não só possuem emoções, mas também possuem a habilidade de sentir essas emoções.” Se insetos têm sentimentos, isso teria implicações grandiosas no modo como nós pensamos sobre essas criaturas, incluindo nossa tentativa de controlá-los como pestes.
Por enquanto, Perry espera que a pesquisa simplesmente encoraje as pessoas a verem os insetos como mais do que apenas pequenas máquinas incapazes de pensar.
Fonte: Scientific American Brasil | Jason G. Goldman