Pesquisa publicada na revista Immunity sugere que uma vacina experimental contra o HIV funciona em primatas não humanos. O novo estudo, feito por pesquisadores do instituto Scripps Research, dos EUA, mostra que macacos rhesus podem ser estimulados a produzir anticorpos neutralizantes contra uma cepa do HIV que se assemelha à forma viral resiliente que mais comumente infecta pessoas, chamada de vírus Tier 2. A pesquisa também fornece a primeira estimativa dos níveis de anticorpos neutralizantes induzidos pela vacina necessários para gerar proteção contra o HIV.
“Descobrimos que os anticorpos neutralizantes que foram induzidos pela vacinação podem proteger os animais contra um vírus que se parece muito com o HIV do mundo real”, diz Dennis Burton, chefe do Departamento de Imunologia e Microbiologia da Scripps Research, diretor científico da Iniciativa Internacional de Vacina contra a Aids (IAVI, na sigla em inglês) e dos Institutos Nacionais de Saúde para a Vacina Imunológica e a Descoberta de Imunogênio do HIV/AIDS (CHAVI-ID, na sigla em inglês).
Embora a vacina esteja longe da fase de testes clínicos com humanos, o estudo fornece uma prova de conceito para a estratégia da vacina contra o HIV que Burton e seus colegas vêm desenvolvendo desde os anos 90.
O objetivo dessa estratégia é identificar as áreas raras e vulneráveis no vírus HIV e ensinar o sistema imunológico a produzir anticorpos para atacar esses locais. Estudos conduzidos por cientistas da Scripps Research mostraram que o corpo precisa produzir anticorpos neutralizantes que se ligam ao trímero de proteína do envelope externo do vírus. Para respaldar esta ideia, os cientistas descobriram que poderiam proteger os modelos animais do vírus do HIV ao injetar anticorpos neutralizantes que foram produzidos em laboratório.
O desafio era fazer com que os animais produzissem seus próprios anticorpos neutralizantes. Para isso, os cientistas precisavam expor o sistema imunológico ao trímero de proteína do envelope, treinando-o efetivamente para identificar esse alvo e produzir os anticorpos corretos contra ele.
Mas houve um grande problema. O trímero do envelope do HIV é instável e tende a se desfazer quando isolado. Como seria possível aos cientistas usá-lo como um ingrediente de uma vacina? Um grande avanço veio em 2013, quando cientistas projetaram geneticamente um trímero mais estável, ou SOSIP.
“Pela primeira vez, tinhamos algo que se parecia muito com o trímero de proteína do envelope do HIV”, disse Matthias Pauthner, pesquisador associado da Scripps Research e um dos autores do novo estudo.
Os cientistas rapidamente avançaram com o projeto de uma vacina experimental contra o HIV que continha este trímero SOSIP estável. Seu objetivo com o novo estudo era ver se esse tipo de vacina poderia realmente proteger os animais da infecção.
A equipe testou a vacina em dois grupos de macacos rhesus. Um estudo anterior usando a mesma vacina mostrou que alguns macacos imunizados naturalmente desenvolveram baixas quantidades de anticorpos neutralizantes em seus corpos, enquanto os outros desenvolveram altos valores após a vacinação. A partir deste estudo, os pesquisadores selecionaram e vacinaram uma segunda vez seis macacos que tiveram um baixo valor de anticorpos e seis macacos com alta quantidade deles. Eles também estudaram 12 primatas não imunizados como grupo de controle.
Os primatas foram então expostos a uma forma do vírus chamado SHIV, uma versão artificial do HIV que contém o mesmo trímero de envelope que o vírus humano.
Esta cepa particular do vírus é conhecida como vírus Tier 2 porque se mostrou difícil de neutralizar, assim como as formas de HIV que circulam na população humana.
Os pesquisadores descobriram que a vacinação funcionava nos animais com alto número de anticorpos. Os macacos conseguiram produzir níveis suficientes de anticorpos neutralizantes contra o trímero da proteína do envelope para prevenir a infecção.
“Desde que o HIV surgiu, essa é a primeira evidência que temos de uma proteção baseada em anticorpos contra o vírus Tier 2 após a vacinação”, diz Pauthner. “A questão agora é descobrir como obter esses altos níveis de anticorpos em todos os animais.”
O foco na quantidade de anticorpos tornou-se especialmente importante, pois os pesquisadores viram a proteção contra o HIV diminuir à medida que os altas quantias caíram nas semanas e meses após a vacinação. Ao rastrear os valores enquanto expuseram continuamente os animais ao vírus, os pesquisadores determinaram a fração necessária para manter o HIV sob controle.
É importante ressaltar que o estudo também mostrou que os anticorpos neutralizantes, e não outros aspectos do sistema imunológico, são a chave para destruir o vírus. Pauthner diz que esta é uma descoberta importante, uma vez que muitos laboratórios se concentraram no potencial das células T e outras defesas do sistema imunológico para bloquear a infecção.
No futuro, os cientistas estão procurando melhorar o projeto da vacina para realizar testes em humanos e manter os valores altos. “Há muitos truques imunológicos que podem ser explorados para tornar essa imunidade mais duradoura”, diz Pauthner.Os pesquisadores estão buscando uma estratégia para obter anticorpos amplamente neutralizantes (bnAbs) que possam neutralizar muitas cepas do HIV, em vez da única cepa descrita nesses estudos. “Essa pesquisa dá uma estimativa dos níveis de bnAbs que podemos precisar para induzir através da vacinação a fim de proteger o mundo contra o HIV”, diz Burton.
Scripps Research Institute