Todos os dias, cientistas em todo o Brasil realizam pesquisas para beneficiar a saúde, a agricultura, a produção de bioenergias e o meio ambiente. Eles estudam o microbioma brasileiro e, a cada investigação que executam, geram uma série de dados e informações. Agora, imagine se o conhecimento resultado desses estudos fosse armazenado em um só lugar, seguindo protocolos que permitissem o compartilhamento de informações por pesquisadores do mundo todo, formando uma extensa rede colaborativa. Essa é a proposta sugerida em um artigo publicado na Trends in Microbiology, revista científica que, como sugere o nome, divulga tendências e soluções inovadoras na área de microbiologia. O texto é assinado por um grupo de cientistas de diversas instituições, entre eles pesquisadores do Grupo de Informática de Biossistemas e Genômica da Fiocruz Minas.

Publicado na sexta-feira (5/8), o artigo propõe um modelo organizacional para o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia: Microbiomas (INCT Microbiome), que pretende ser um centro em excelência para coordenar e orientar as pesquisas em microbioma. A proposta defende que as investigações em busca de soluções para problemas locais continuem sendo estimuladas, mas que o conhecimento gerado nesses estudos possa convergir para uma só base de dados, que seria acessada por todos os pesquisadores. E ainda: o INCT disponibilizaria toda sua infraestrutura, dando apoio e suporte para cientistas de qualquer lugar do país, reduzindo com isso as desigualdades.

“A ideia é estabelecermos um ponto de contato, onde os pesquisadores possam buscar e disponibilizar informações. Dessa forma, ao mesmo tempo em que seriam enfrentados os desafios específicos de cada localidade, poderemos partilhar as descobertas e resultados encontrados, contribuindo para a solução de problemas globais”, destaca Victor Pylro, pesquisador da Fiocruz Minas.

Microbioma Brasileiro
Pylro e os outros autores do artigo fazem parte de um consórcio composto por cientistas de 16 instituições, que vem coordenando e padronizando diversos projetos nacionais de levantamento de dados dos microbiomas. É o Projeto do Microbioma Brasileiro (BMP, na sigla em inglês), criado em 2013, que, desde então, vem colocando em prática, de maneira informal, as propostas apresentadas no artigo.

A padronização dos procedimentos da pesquisa e a análise de grande quantidade de dados, dois dos principais desafios ao se propor uma rede colaborativa, são algumas questões abordadas no artigo. A proposta, já praticada pelo BMP, prevê a criação de uma comissão de bioinformática, que poderia dar suporte aos diversos laboratórios existentes no país, instituindo protolocos e orientando os pesquisadores em relação ao registro de dados.

“A comissão deve ficar responsável por criar protocolos que orientem o pesquisador desde a preparação da amostra até a análise de dados, no sentido de que as informações geradas sejam compreensíveis para todos. Além disso, poderá avaliar ferramentas que estejam sendo utilizadas em um grupo e possam ser úteis para outro. São práticas já adotadas pelo BMP desde 2013, com resultados positivos”, afirma Pylro.

Outro aspecto mencionado no artigo diz respeito à integração dos diversos grupos de pesquisa existentes no país. Para superar esse desafio, a proposta dos autores é a instituição de comitês temáticos e a criação de uma comissão de transferência de conhecimento, que teria a atribuição de fazer uma ponte entre as áreas correlatas.

“Nossa proposta é uma categorização temática, agrupando os estudos relacionados a um mesmo tema. Já para promover a integração entre as diferentes áreas e permitir que troquem informações, teríamos a comissão de transferência de conhecimento”, explica Pylro.

Além de trabalhar em rede em busca de soluções por problemas do país, com esse modelo, o INCT poderia contribuir, também, com as iniciativas internacionais. Recentemente, o governo americano anunciou um investimento para a implementação da National Microbiome Initiative (NMI), que, ao que tudo indica, terá caráter semelhante ao que propõe o artigo da Trends in Microbiology. Além disso, a ferramenta poderia ser integrada à de outros consórcios existentes, como o Earth Microbiome Project ou a Unified Microbiome Initiative -ambas americanas-, permitindo a comparação dos diversos microbiomas brasileiros com o de outros países.

“Isso significa que essa é uma tendência mundial. E nós poderemos contribuir para esse esforço global de estudar o microbiomas, sem, contudo, perder de vista as questões locais”, ressalta Pylro.

Importância
Um microbioma é definido como todo o habitat, incluindo bactérias, arqueias, vírus, eucariotas inferiores, bem como seus respectivos genomas e as condições ambientais que os rodeiam. Estimativas dão conta de que o Brasil abrigue aproximadamente 20% da diversidade biológica do planeta, o que o coloca entre os 17 países que concentram 70% das espécies animais e vegetais já catalogadas; porém, a diversidade microbiana é ainda amplamente desconhecida. O estudo dos microbiomas pode trazer soluções e benefícios para as mais diversas questões.

Foi por meio de pesquisas dessa natureza que os cientistas descobriram que a Wolbachia, bactéria presente no organismo de invertebrados, é capaz de bloquear a transmissão do vírus da dengue no Aedes aegypti, originando uma nova proposta, natural e autossustentável, para o controle da doença. Tal projeto, chamado Eliminar a Dengue: Nosso Desafio, teve início na Universidade de Monash (Melbourne, Austrália), e, no Brasil, é conduzido pela equipe do Mosquitos Vetores: Endossimbiontes e Interação Patógeno-Vetor, da Fiocruz Minas.

“Conhecer o microbioma brasileiro pode trazer benefícios para as mais diversas áreas, que vai desde a saúde humana até a agricultura, ambientes aquáticos, saúde animal, entre outros. As informações geradas por esse processo são um recurso fundamental ao país, que pode fazer uso dos produtos a fim de criar uma rápida e eficiente estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico”, ressalta Pylro. “O grande desafio para o aproveitamento racional da biodiversidade brasileira é, sem dúvida, como transformar um imenso patrimônio genético natural em riquezas biotecnológicas”, afirma.

Leia o artigo na íntegra aqui.

Fonte: CPqRR/Fiocruz Minas