A folha de uma árvore, um pedaço de grama, uma simples célula de alga: todas produzem energia a partir da simples combinação de água, luz solar e dióxido de carbono através do milagre da fotossíntese. Agora, cientistas dizem que replicaram — e melhoraram — esse truque através da combinação de química e biologia em uma folha “biônica”.
O químico Daniel Nocera, da Universidade de Harvard, e sua equipe uniram forças com a bióloga Pamela Silver, da Escola de Medicina de Harvard, e sua equipe para fazer uma espécie de bateria viva, que chamam de folha biônica por conta de sua fusão entre biologia e tecnologia. O dispositivo usa eletricidade solar de um painel fotovoltaico para energizar a reação química que quebra água em oxigênio e hidrogênio, e a seguir adiciona micróbios famintos para se alimentarem do hidrogênio e converter o CO2 do ar em álcool.
O primeiro dispositivo de fotossíntese artificial da equipe apareceu em 2015 — produzindo 216 miligramas de álcool para cada litro de água — mas o catalisador de níquel-molibdênio- zinco que tornava a reação química de quebra da água possível teve o infeliz efeito colateral de envenenar os micróbios.
Daí, a equipe saiu a procura de um catalisador melhor, um que se daria bem com os organismos vivos e que dividiria a água de maneira eficaz. Como a equipe relatou na publicação Science, no dia 2 de junho, eles o encontraram em uma liga de cobalto e fósforo, uma amálgama já em uso como revestimento anticorrosivo para partes de plásticos e metais achados em coisas desde torneiras até placas de circuito. Com pouca carga elétrica, esse novo catalisador pode se montar de uma solução de água, cobalto e fósforo — e fósforo em água é bom para seres vivos como a bactéria Ralstonia eutropha, que compõe metade da parte de trás da folha biônica.
Faça uma corrente elétrica correr do aparelho fotovoltaico através dessa solução em uma voltagem suficientemente alta e a água será separada. Essa voltagem também é maior do que a necessária para induzir o cobalto a se precipitar da solução e formar o catalisador cobalto-fosfato, o que significa que quando a folha biônica está funcionando, sempre existem elétrons o suficiente nos arredores para induzir a formação do catalisador — e, portanto, nenhum metal em excesso para envenenar os micróbios ou pausar o processo de separação da água. “O catalisador nunca pode morrer enquanto funciona,” diz Nocera, notando que a nova folha biônica foi capaz de passar 16 dias funcionando direto.
O novo catalisador de cobalto também quebra a água em oxigênio e hidrogênio sem criar o tipo de moléculas de oxigênio reativas que podem danificar o DNA ou outros processos essenciais para a continuidade da vida. “Eu não sei porque ainda,” Nocera afirma. “Será divertido descobrir.”
Com esse novo catalisador na folha biônica, a equipe aumentou a eficiência da versão 2.0 em produzir combustíveis a partir do álcool, como o isopropanol e o isobutanol, para cerca de 10%. Em outras palavras, para cada kilowatt-hora de eletricidade usada, os micróbios podem limpar 130 gramas de CO2 de 230.000 litros de ar para fazer 60 gramas de isopropanol. Isso é melhor do que a eficiência natural da fotossíntese em converter água, luz solar e ar em energia armazenada.
E não existe motivo para pensar que a R. eutropha não poderia ser feita para gerar outros produtos — talvez moléculas complexas de hidrocarbono como aquelas achadas em combustíveis fósseis ou ainda toda a extensão de químicos usados atualmente sintetizados por recursos poluentes, como fertilizantes. “Existem insetos que comem hidrogênio como sua única fonte de comida, e o hidrogênio veio da quebra de água. Então, existem insetos renováveis e biologia sintética para fazê-los fazer qualquer coisa,” diz Nocera. “Você pode começar a pensar em uma indústria de químicos reutilizáveis.” A equipe hibrida relata no estudo publicado na Science que eles já induziram a R. eutropha a fazer uma molécula que pode ser transformada em plástico.
A ideia fundamental é reverter a combustão e usar um remanescente da queima de combustíveis fósseis — o CO2 se acumulando na atmosfera — para construir combustíveis renováveis, como fazem as plantas. Mas a folha biônica não irá competir em preço com os combustíveis cavados de dentro do chão por um bom tempo, especialmente porque os micróbios ainda não fazem muito combustível de maneira rápida. A maior folha biônica atualmente está em um vaso de um litro, embora a equipe não tenha descoberto limites para fazer um maior.
Ao fazer combustíveis do excesso de CO2 no ar, esse novo biorreator poderia ajudar a mitigar os problema de poluição e mudança climática enquanto traz, ao mesmo tempo, combustíveis mais limpos para pessoas que ainda não possuem acesso à energia moderna. “Você pode fazer esse tipo de ciência no seu quintal. Você não precisa de uma infraestrutura massiva de bilhões de dólares,” diz Nocera.
“Ao integrar a tecnologia da biologia com química orgânica, um caminho muito poderoso se apresenta, onde você tem o melhor dos dois mundo,” ele acrescenta. “Eu peguei ar e sol e água e eu fiz coisas disso, e eu fiz dez vezes melhor que a natureza. Isso me faz sentir bem.”
Fonte: Scientific American Brasil | David Biello
Imagem: Scientific American Brasil