Como fazer pesquisa científica e aplicá-la à realidade sem pensar em números, dados, estatísticas? Improvável. Modelos matemáticos são um fator muito importante para orientar pesquisadores das mais diversas áreas, inclusive das Ciências Biológicas. Permitem projetar diferentes cenários e analisá-los, contribuindo com elementos para a tomada de decisões sobre como equacionar problemas em saúde pública. Os estudos nesta área possibilitam, por exemplo, prever a velocidade de propagação de doenças por um território ou como podem afetar determinadas populações. É o caso do espalhamento da pandemia de coronavírus pelo Brasil, que integram estudos desenvolvidos pelo Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (PROCC/Fiocruz) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mas não é de hoje que a Fiocruz desenvolve e aplica métodos matemáticos e estatísticos inovadores em pesquisas no campo das biociências: na última semana, o PROCC celebrou 25 anos de atuação em 15 de abril. Quem coordena a iniciativa, atualmente, é o pesquisador Daniel Villela. Ele é mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Ph.D. pela Columbia University, com experiência e especial interesse na modelagem matemática de doenças transmissíveis — particularmente as transmitidas por vetores (malária, dengue, chikungunya, zika) — e métodos aplicados à vigilância em saúde. Confira a entrevista abaixo com Daniel Villela.

Por favor, conte brevemente sobre a origem e a trajetória do PROCC.

Daniel Villela: O Programa foi criado há 25 anos na gestão do então presidente da Fiocruz, Carlos Morel, se constituindo como um grupo de pesquisadores responsáveis pela computação científica na Fundação. Neste período, as instituições educacionais e de pesquisa no Brasil estavam se interconectando à internet, que funcionava principalmente como ambiente para disseminar conhecimento científico. O pesquisador Claudio Struchiner foi líder do PROCC, sendo um pioneiro na modelagem matemática na instituição. A trajetória dele é brilhante, repleta de contribuições científicas em epidemiologia, modelagem de doenças infecciosas como malária e inferência causal.

Ao longo do tempo, o número de pesquisadores foi aumentando e o Programa se firmou com a missão de desenvolver e apoiar métodos matemáticos, estatísticos e computacionais em biociências de forma transversal na Fiocruz. Tínhamos programado um evento para recontar a história do PROCC, debater a computação científica na Fiocruz e fazer as devidas homenagens. Com as mudanças necessárias por conta da pandemia de Covid-19 — e de nossos próprios esforços estudando a Covid-19 — ficou inviável realizar o evento na data prevista.  Mas, tão logo seja possível, vamos retomar esta atividade, como um momento especial no ano de celebração dos 120 anos da Fiocruz.

Por falar na equipe do Programa, como é a atuação de vocês, na prática, nos campos da pesquisa e do ensino?

Daniel Villela: A aplicação dos métodos quantitativos em saúde pública é muito abrangente: inclui modelagem molecular, desenvolvimento de fármacos, modelagem de doenças infecciosas em estudos populacionais, por exemplo. Nossos pesquisadores atuam como docentes, orientando dissertações, teses e disciplinas. O componente quantitativo é aplicado em vários programas de pós-graduação, como o Programa de Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), o Programa de Biologia Computacional e Sistemas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e o Programa de Biologia Parasitária do IOC, entre outros.

Quantas pessoas fazem parte da equipe e qual o perfil destes colaboradores?

Daniel Villela: Atualmente, somos 13 pesquisadores, uma tecnologista e uma pessoa na gestão. Portanto, nosso trabalho se concentra em pesquisa e ensino nas pós-graduações. Ao longo dos anos, a equipe foi se formando: são gerações de pesquisadores (inclusive jovens pesquisadores), de formação diversa, oriunda de áreas como biologia, medicina, estatística, física, engenharia, e atuação interdisciplinar.

Fale sobre as principais linhas de pesquisa do PROCC e os tipos de estudos vocês realizam. Por favor, exemplifique como o trabalho se aplica.

Daniel Villela: Há muitas pesquisas nas áreas de epidemiologia, modelagem molecular, ecologia de vetores transmissores de doenças infecciosas, entre outras. O grupo de biofísica computacional e modelagem molecular se dedica a projetos que estudam alvos moleculares essenciais, buscando terapias mais eficientes para doenças negligenciadas. Já a linha de biologia de sistemas tem o objetivo de desenvolver um modelo computacional para estudar resistência microbiana. Além disso, realizamos muitos trabalhos em modelagem matemática e estatística em epidemiologia, como a transmissão e o controle de doenças infecciosas. O PROCC também promove sessões para auxiliar o desenho e a análise de estudos.

Recentemente, o PROCC e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) formaram o Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica (Mave) e juntos estão produzindo relatórios que contribuem para o enfrentamento da Covid-19. Por favor, comente sobre a parceria das instituições.

Daniel Villela: Já havia uma colaboração com a FGV por conta de projetos na área de vigilância epidemiológica, como o Info Dengue e o Info Gripe. Com a emergência do vírus SARS-CoV-2, fizemos uma força-tarefa, com o objetivo de oferecer respostas e evidências científicas que auxiliem na compreensão dos efeitos da pandemia. Um exemplo é trazer modelos preditivos sobre a disseminação no território brasileiro, assim como contribuir para a identificação das vulnerabilidades sociais.

Sendo um especialista em modelar cenários, como você projeta a atuação do PROCC nos próximos anos? Quais são as perspectivas, considerando os desafios na saúde pública?

Daniel Villela: O tema das doenças negligenciadas continuará sendo importante no PROCC, enquanto esta questão estiver presente. Além disso, é essencial buscar respostas a perguntas de pesquisa, considerando heterogeneidades devido a desigualdades e variabilidade. E, certamente terá atenção a proposição de métodos quantitativos que permitam fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), como na vigilância epidemiológica.

Fonte: Fiocruz
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